14/12/2017

viVO

Vejo nos olhos dela que não está bem, que algo correu mal, mas esse pensamento logo é substituído por outro, que é algo mais que "mal", foi muito mau.
Ela não come, não levanta sequer a cabeça e pergunto-me o que fazer a esta mulher que me apareceu em casa de madrugada sem uma única palavra.
Minutos, horas se passaram com um prato de lasanha no nosso meio e o barulho do talher que ela usa para quebrar este silêncio, ela detesta silêncio.

De repente acho que ela diz algo mas não percebo, a voz dela pouco se faz ouvir neste grande silêncio e ela repete, não a interrompo até perceber que ela chegou ao fim.

Filho da mãe, foi o primeiro pensamento que me chegou depois de ela acabar e começar a refeição dela... Como é possível alguém deitar fora alguém como ela? Onde é aquele bastardo tinha a cabeça quando levou outra mulher para a cama deles, dela!!! Queria poder dizer-lhe algo mas contra mim iria falar, eu também cometi o erro de a deixar escapar.
Da cozinha fomos para o sofá, o meu cão ficou alegre de ver uma cara conhecida que ele julgou nunca mais ver, ela fala e fala e eu não tenho coragem de interromper, é a maneira de ela não pensar, fala da filha que aprendeu os primeiros passos e quase diz mamã, conta novidades do trabalho e da subida de cargo, quase lhe dá um ataque quando percebe que estamos quase no Natal e nem uma prenda ela diz que tem comprada, ela adora ter tudo organizado para que nada corra mal.
Por momentos a voz dela vai para segundo plano e vejo-nos, que se não fosse por um erro do companheiro esta imagem podia ser mais que uma ilusão... Esta rotina simples mas boa, éramos uns simples miúdos quando nos apaixonamos e ainda hoje o conseguimos ser, miúdos e não apaixonados.

Mas é passado, ela tem a sua vida e eu cá levo a minha de maneira monótona comparada à dela. Foi engraçado saber que isto aqui dentro ainda bate, quando a vi pensei estar a ter um daqueles sonhos que fico irritado por acordar pelo facto de estar a parecer tão verdadeiro.
As horas passam e não conseguimos parar de falar, piadas sobre aventuras passadas são aproveitadas com os nossos melhores risos, os olhos dela brilham e pelo conhecimento que tenho sei que vai chorar.

"Porque desististe de mim?"

Gostava de lhe dar uma das minhas respostas ensaiadas que fiz numa viagem de carro banal ou até mesmo parecidas às dos filmes mas não sai nada porque a triste realidade é que não tive um motivo suficientemente bom para ser dado como desculpa para estarmos assim, juntos mas separados. Sem uma resposta ela encosta a cabeça ao meu ombro e observo pelo reflexo da televisão desligada ela a olhar para mim, ela sorri-me e aos poucos vai fechando os olhos.
Não preciso de muito para saber que ela no fundo ficou contente pela minha falta de resposta, ficou contente por ter descoberto que afinal não havia um motivo mais fácil do que ela pensava, afinal ela estava certa quando dizia que não encontrava motivo para tal ter acontecido.
Olho para ela desta vez sem medo de ser apanhado e ali percebi, que ao longo dos anos fui tendo muitas paixões mas apenas um amor, um amor que recorreu ao que achou mais seguro mas que pela luz do dia, irá vestir o melhor sorriso e sair.

Fazer um caminho que fiz questão de ser apenas um espectador.

De qualquer das maneiras, obrigado pelo erro meu, fizeste-me sentir vivo.

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