Não sei o que se passou, sei que doeu mais que qualquer ferida nos
meus joelhos e quero chorar porque a minha mãe pergunta o que dói e não vejo
sangue, não vejo arranhões, só dói. Berro, e berro ainda mais quando ela diz o
nome dele, nunca nenhuma queda de bicicleta me tinha magoado tanto.
Era eu e ele, para
sempre, prontos para conquistar o mundo e todos os filmes de terror proibidos. O que posso fazer?
É estranho como no silêncio da
noite ainda vem este episódio á minha memória passado tantos anos... Sempre fui dizendo adeus a amizades por poucas e muitas razões, no entanto a que ainda, me faz companhia é esta, tal e qual como se tivesse sido ontem...
Uma tarde perfeita para dois
miúdos cantarem e rirem, dois miúdos doidos um pelo outro num dia só deles.
Tudo foi muito rápido, eu acho, embora na altura tivesse sentido tudo em câmara lenta, os
braços da minha mãe levarem-me daquela casa e não ver ninguém a acenar-me, na
verdade, não ver absolutamente nada devido á janela de lágrimas que lavava tudo ali vivido.
Queria falar mas o meu choro tomava
conta de todos os meus pensamentos, de todas as possíveis tentativas de falar e perguntar.
As horas passavam, os pedidos para meter algo á boca eram imensos
e as perguntas a assassinar qualquer coisa presente na minha cabeça, onde estava ele?
E é quando eu desisto e me alimentam, que me contam devagar como
se fosse uma história de encantar que ele se tinha ido e não voltava nem para
levar os brinquedos ali deixados. Um sentimento novo apareceu, demasiado
grande para eu parar e pensar, parti as primeiras coisas que me surgiram á frente, berrei
a todos o quão mentira isso era e que era feio estarem a mentir! Ele nunca me mentiria.
Dias passaram, lembro-me de organizar os brinquedos, os meus e os
dele para não haver tempo a perder, eu queria brincar com o meu melhor amigo
mal ele chegasse.
É… ele nunca mais voltou, guardei os brinquedos e tirei o banco de junto da janela, não queria ver mais. Não sei quão triste e ao mesmo tempo melancólico isto é, mas ainda hoje sou capaz de espreitar para este dia e sentir exatamente o mesmo, desamparada e sozinha. Mais calma, explicaram-me que ele tinha mudado de cidade, que toda a família
se preparava para isso, incluindo a minha!
Menos eu, eu fui a última a saber do fim.