26/07/2018

ULtiMa a saBEr

Não sei o que se passou, sei que doeu mais que qualquer ferida nos meus joelhos e quero chorar porque a minha mãe pergunta o que dói e não vejo sangue, não vejo arranhões, só dói. Berro, e berro ainda mais quando ela diz o nome dele, nunca nenhuma queda de bicicleta me tinha magoado tanto.

Era eu e ele, para sempre, prontos para conquistar o mundo e todos os filmes de terror proibidos. O que posso fazer?

É estranho como no silêncio da noite ainda vem este episódio á minha memória passado tantos anos... Sempre fui dizendo adeus a amizades por poucas e muitas razões, no entanto a que ainda, me faz companhia é esta, tal e qual como se tivesse sido ontem...

Uma tarde perfeita para dois miúdos cantarem e rirem, dois miúdos doidos um pelo outro num dia só deles. Tudo foi muito rápido, eu acho, embora na altura tivesse sentido tudo em câmara lenta, os braços da minha mãe levarem-me daquela casa e não ver ninguém a acenar-me, na verdade, não ver absolutamente nada devido á janela de lágrimas que lavava tudo ali vivido.
Queria falar mas o meu choro tomava conta de todos os meus pensamentos, de todas as possíveis tentativas de falar e perguntar.
As horas passavam, os pedidos para meter algo á boca eram imensos e as perguntas a assassinar qualquer coisa presente na minha cabeça, onde estava ele?

E é quando eu desisto e me alimentam, que me contam devagar como se fosse uma história de encantar que ele se tinha ido e não voltava nem para levar os brinquedos ali deixados. Um sentimento novo apareceu, demasiado grande para eu parar e pensar, parti as primeiras coisas que me surgiram á frente, berrei a todos o quão mentira isso era e que era feio estarem a mentir! Ele nunca me mentiria.
Dias passaram, lembro-me de organizar os brinquedos, os meus e os dele para não haver tempo a perder, eu queria brincar com o meu melhor amigo mal ele chegasse.

É… ele nunca mais voltou, guardei os brinquedos e tirei o banco de junto da janela, não queria ver mais. Não sei quão triste e ao mesmo tempo melancólico isto é, mas ainda hoje sou capaz de espreitar para este dia e sentir exatamente o mesmo, desamparada e sozinha. Mais calma, explicaram-me que ele tinha mudado de cidade, que toda a família se preparava para isso, incluindo a minha!


Menos eu, eu fui a última a saber do fim.


12/07/2018

EScOlher

E é nestes momentos que uma pedra imaginária nos bate na cabeça e parámos para pensar na caminhada que tivemos que fazer para este momento.
Daqui a umas horas tenho uma decisão importante e o que era certo virou dúvida e sinto-me um miúdo a decidir o que vestir no dia seguinte. Mas isto não se trata de um decisão que pode ser reversível, é o meu futuro e não só.
Sempre analisei as situações da melhor forma e por isso sou tão bem sucedido, mas desta vez não consigo pesar o bom e o mau, não quero que isto acabe e fique sozinho numa vida que garantias não existem e que não me consiga garantir a presença daquela mulher na minha vida, não com isto... Olho pela janela e só consigo pensar nas tardes solarengas que ali passamos, as aventuras e a adrenalina de ser jovem e sem preocupações, os seus olhos param nos meus e penso desviar-me mas é tarde demais, ela apanhou-me, como sempre.
E sorrio, porque se não fosse com o seu mau feitio a apanhar-me naquela tarde onde tinha estado o propósito destes anos todos? Fui feliz e amei.
Consigo sentir os olhares todos em mim e começo a sentir nervosismo por a altura de escolher estar a chegar, olho para trás e não tenho quem prometeu estar, mas sei que ela terá a sua garantia bem atrás de si, a sua irmã disfarçada de madrinha.
A música começa e fico hirto, não me mexo e creio que nem respiro... Ela olha para mim e desvia o olhar como se estivesse insegura do que trás vestido, como se de repente desde a noite desgastante de ontem ela tivesse perdido o encanto. Os meus olhos nem conseguem contar quantos passos ela precisa de dar até mim, mas sei que chegou pelo seu toque frio, e com isto sei que não sou o único nervoso neste altar.
O homem responsável por este espaço começa a divagar conforme eu já sabia, e sinto os olhos dela em mim e paro novamente para pensar se é isto que quero realmente fazer, se a felicidade que ela me deu é o suficiente para garantir isto, e vacilo. Começo a reconsiderar se a vida de casado é para mim ou para a minha vida agitada, pensei ter tudo controlado quando agora olho à minha volta e me pergunto porque estou aqui, perguntas que quero apagar mas ainda assim responder e num momento de confusão ela agarra-me e a sua voz não treme fugindo um pouco ao combinado mas com ela nada é certo e sinto-me fora do sítio, o fato de repente fica apertado e é como se os meus pensamentos não fossem algo válido e forte, ela olha-me com atenção e não consigo, não consigo mais.
Cada passo que dou ouço o meu nome e guardo o som vindo dela, o último que provavelmente irei ouvir.
Estou a viajar há umas belas horas e sinto-me definitivamente perdido sem ela, e devagar conforme as árvores passam por mim vou acreditando que isto será o início de uma caminhada, sozinho. E não preciso ver muito mais do que tenho a percorrer para ver que qualquer direção irá gritar arrependimento.