30/09/2018

pAz

“ Chego a casa depois dum dia cheio de confusão e barulho deparando-me com o meu sossego e quando o olho, deparo-me com a minha paz.
Ele está sentado a ver qualquer coisa no telemóvel e está concentrado, pois consigo ver isso na maneira como enruga a sua testa.
Deixo-me ficar ali na porta enquanto o nosso companheiro de quatro patas me cumprimenta embora o outro dono ainda não tenha dado pela minha presença, e aprecio aquele homem com quem me deito todos os dias e acordo a entender que tomei a decisão certa em não desistir.
Finalmente vejo os seus olhos e rapidamente o cansaço desaparece deles dando lugar à felicidade de me ver em casa, a preocupação em como o dia correu e se quero ir jantar fora faz-me sentir a explodir com o sentimento de realizada, de estar finalmente satisfeita, feliz.
As horas passam e os lençóis apenas ficam frios conforme os nossos corpos perdem o suor e a temperatura quente, olho para cima e já o vejo de olhos fechados e com os meus de igual modo revivo a nossa jornada, as barreiras nelas postas, os não's que dissemos um ao outro.. Tudo isso faz parte de mim e dele, e de tantos nós que fizemos e desfizemos formamos este belo laço.
Levanto-me com cuidado para não o tirar do seu descanso e procuro o número do restaurante que entrega em casa e peço o seu favorito quando ao mesmo tempo abro o frigorífico e vejo a sobremesa que mais gosto, jamais irá existir alguém que nos conheça tão bem quanto nós nos conhecemos e penso que seja isso que mostre que encaixamos.
O amor não é fácil de se conquistar, muito menos de se manter mas a maneira como nós nunca deixamos algo tornar-se aborrecido e repetitivo, a maneira como atiçamos a chama faz querer sempre mais e mais como se fosse realmente um vício.
Não poderá haver nada mais reconfortante do que a visão de estarmos os dois sentados nos balcões da cozinha com a pouca roupa que nos cobre, a comer e a conversar sobre o jogo de futebol a decorrer.
Ele é o homem mais lindo que vi, que senti.. É o homem que mais me desperta, é o homem que independentemente de qualquer coisa irá ser meu amante e meu melhor amigo, que quis o meu coração e acabou por levar a minha alma também.
Não há dia cansativo que me deixe cansada dele. „


06/09

12/09/2018

olHOs

As minhas pernas já não são o que eram, tal como a minha memória e então pela segunda vez este mês vou ao sitio mais poderoso que esta casa possui, onde todas as memórias estão guardadas para que em dias como estes me ajudem.
A quantidade de escadas que preciso de subir parecem aumentar à medida que os anos passam, a força pode diminuir mas nunca desaparecer. 

Uma coisa tão simples como este pequeno pedaço de madeira consegue carregar toda a minha vida, e torna-se cada vez mais difícil de fecha-la e regressar ao mundo real, mas eu tenho vindo a conseguir, graças a ele, como sempre.
Existem fotografias a preto e branco que retratam os anos e as memórias mais coloridas que oferecíamos a cada um, sem esperar nada mais nada menos que a reciprocidade fosse o centro do nosso mundo. Vou trocando o olhar em muitas outras fotografias, algumas a começar a apresentar cores e outros rostos, novos capítulos que quisemos escrever juntos.

Nunca pensei no rumo da minha vida, muito menos imaginar mas eu mesma afirmei "impossível" este desfecho. Mas aqui estou eu, sem a roupa cara, a maquilhagem boa e a postura, agarrada a algo que me foi arrancado dos braços quando, apesar dos anos, ainda havia tanto para viver e fotografar. Tantos olhos presentes na nossa casa mas por mais que tentem, nunca saberão tanto como as paredes que a sustentam, olhares que não olham realmente para mim.
Toda eu sou saudade e há dias que grito interiormente aos sete ventos a dizer que não aguento sentir mais a falta dele, que não suporto saber que jamais serei amada por umas mãos daquelas, e por um sorriso daquele.

Mas tenho os meus grandes e pequenos seres e vejo que têm tanto daquele homem neles que merecem ser embalados por histórias dele, e acreditar que o bom nem sempre vem à primeira nem à segunda mas vem, se assim o quisermos, se realmente desejarmos.
Em tardes felizes e aleatórias, sempre dissemos que este lugar que ocupo seria o dele pois juízo nunca constava no meu dicionário, dizia ele.

Está na hora de ir, abrir o pano e continuar o espetáculo que tanto queríamos e mesmo que seja difícil continuar, ás vezes temos que pensar em algo que não nós, algo maior.

E vou indo, lembrando-me dele ali e acolá e ser a mulher que sempre fui, amada e com amor para dar, apenas com um pouco de rugas.


Para a minha neta Lara, que ela saiba sempre que sem qualquer tipo de amor somos uma história monocromática.