26/03/2018

Tenho uma estante cheia de livros que me dá vontade de pegar só pelo seu título, e tenho outros que de tanto pó acumulado mal me lembro que eles estão ali mas a verdade é que estão e que nos fazem espirrar uma vez ou outra.
Mas como por feitiço ou traição o mais antigo saltou para a frente, pronto a cair e obrigar-me a curar a constipação já curada, e com isso, essa fraqueza já desapareceu e mesmo que seja tentador ler os melhores momentos seria horrível menosprezar os maus, e dessa forma acabaria a deixar o livro ocupar-me a mente, mente esta que quando não controlo ainda me trai.

Foste fraco, e irei sempre culpar-te por entregares as luvas quando eu estava pronta para todas as rondas seguintes.

É bom ter um livro tão incrível como este, mas já só é bom quem não sabe o que vai encontrar porque no fim de o ler já nada mais vai ser igual porque venha quem vier, jamais vão ser tão bons a escrever, a apagar e a riscar como fomos.
E nós que já o lemos vezes e vezes sem conta já perdemos a conta na quantidade de vezes que desejamos colocar um ponto invés da vírgula e uma vírgula no fim. Mas foi assim, e assim ficou.

O nosso livro destrói como ensina, e tanto faz amar como odiar. Somos o contrário combinado e gostava que nunca tivessemos combinado ao ponto de gostar de ser o contrário que eu era.

Ainda me assombras, sim ainda tenho o livro, e embora saiba que ele está ali já não o escolho para ser lido, já acabou o tempo de protagonismo, o estrelato terminou e o ainda desapareceu. O ainda gosto de ti, o ainda te quero e o ainda temos tempo ficaram entalados nas folhas soltas do meu livro, não do teu.
Que pena tenho eu que não tenhas a minha versão mas, quando noutro livro fiques com versão parecida não queimes, eu gostava de hoje as ter e te "cegar" com o pó que elas têm, mas já não existem. Foram rapidamente queimadas como escritas tal e qual como nós, e tal como elas nós poderíamos ter feito toda a diferença.

Com a minha memória remexida cheguei à conclusão dos anos que já foram, e das feridas que sararam e que hoje, não passam de feias cicatrizes.

Houve tempos em que ponderei queimar o livro sempre que chegava ao fim, porque baixinho desejava que mudasse daquela vez, mas nunca mudou e com isso, queimar ou não queimar a minha mente iria sempre manter a chama acesa.

Acontece que de tanto a chama tremer e de tanto eu soprar, o livro estar ali presente já só me faz lembrar o incêndio que travei sem precisar de causar um maior, sem usar a ajuda de pequenos pontos brancos para conseguir fechar os olhos à noite.

Não queríamos mas acabaste por ser mais um, mais um que foi, mais um que me preferiu a outra coisa qualquer.
E embora me tivesses amado acabaste a ser na mesma mais um, porque plantaste e não cuidaste e vais ter sempre bem escondido na tua parte mais escura a imagem de um vaso vazio que já decorou a tua vida.

Acho que está na hora de tu veres a derrota que levaste.

Knockout "campeão".

15/03/2018

CoR

Acordo e fico chateada pelo meu sonho ter sido demasiado barulhento, olho lá para fora e vejo que escureceu e fiquei adormecida no meio dos meus livros que ninguém teve coragem de me acordar nem mesmo o meu cão.
Tento adormecer novamente.
Afinal não, afinal o barulho não foi do meu sonho, e quando me preparava para ir ver a origem deste mesmo ouço um berro... paro, congelo e o meu instinto é pegar neste pequeno corpo e voltar para trás, ponho a música no máximo, acalmando o ser irrequieto e ao meu cão também.
A música já não está a abafar nada e apetece-me gritar, gritar para os gritos desaparecem mas nada sai da minha boca, como se o som estivesse silenciado. A minha porta abre com força e vejo preto, vermelho e muita falta de amor. A minha primeira vontade foi agarrar nela para não cair mas se fizesse um gesto qualquer iríamos ser espectadores do mesmo espetáculo de todos os dias, tirando quando o ator não está em cena, santos dias.

As minhas lágrimas já não caem, como se a fonte já tivesse secado.

Ele larga-a e julgo ver a sua desistência e em segundos o principal abandona a casa, os acontecimentos a seguir são rápidos e confusos mas tudo que sei é que enquanto a água do chuveiro lhe tenta limpar alguma coisa nem que seja a alma, eu guardo tudo em mochilas e tento pôr sorte lá para o meio. Procuro a minha caixa e vejo que quem arranjou este, arranja outra vez e meto também para a mochila.
A despedida é algo que imprevisível e tento acalmar e injetar coragem no ser frágil que de brilhante se tornou carvão, ganho coragem e fecho a porta depois de a ver desaparecer na rua e preparo-me para o que poderá vir e assim, ficou tarde demais para fugir.
A chave rodou. Ele entrou. Ele olhou à sua volta. Procurou e não encontrou.
Vejo o meu cão ser chutado para longe e tento esticar o braço até ele e só aí percebo que a minha visão está turva e reduzida e não consigo fazer nada: como sempre.
E sorrio porque desta vez a pintura foi feita noutra tela que não a mesma, estou quente e sinto a minha cabeça explodir e depois de aquecer o lugar no tapete da sala, deixo-me ir para um lugar calmo... Já não ouço berros, nem sinto o meu corpo ser abalado aliás, é como se já não estivesse ali realmente e com um último descarregamento...
Eu desisto.
E desejo sorte à minha mãe para ser pintada novamente com cores que ela realmente mereça.