30/11/2018

EScorrEGAr

Amarro o cabelo, pego num copo fundo e vou ao sitio do costume buscar o habitual.
O sabor já não me incomoda ao contrário do cheiro, muitas coisas deixaram de realmente me incomodar, é como se fosse perdendo as peças que sou, uma por uma e lentamente.

O copo rapidamente vai perdendo os tons avermelhados dando a lugar a algo neutro e vazio... Tal e qual como o meu reflexo.
Para prolongar o fundo da garrafa vou à procura de algo mudado nestas quatro paredes nem que fosse algo fora do sitio, uma mancha ou até mesmo uns cacos que insisto em pisar, apenas pela garantia de que ainda sinto.

Sinto-me a ser sugada por uma corrente mais forte que os meus pensamentos bons, sinto a antiga sensação de submissão a tudo que perdi controlo. Encontro-me presa a uma âncora onde eu mesma dei o nó, e que constantemente acrescento mais um de cada vez que sou fraca e me deixo ir... Ir, para um sítio conhecido onde muitos se escondem e já lá estive e sinto que é como rever um antigo amigo.
Não daqueles que nos dão dor de barriga de rir mas sim daqueles que dói cá dentro a confiança um dia traída, e tal como a eles, nunca mais pensei ter essa visão.

Mas a realidade é esta, perdi-me e já não tinha portas onde bater, e o que fiz foi voltar atrás para me encontrar mas aqui fiquei, entalada sem que ninguém veja e que, nem eu mesma saiba a dimensão do buraco em que estou e da caixa onde preferi entrar.

Dei voz à ansiedade que em mim havia adormecido, que um dia derrotei e que agora como se tivesse ficado maior ecoa cá dentro, grita bem alto e controla-me, tal como uma marioneta.
E não gosto, quem comandava e recebia os aplausos era eu e fui afastada do meu próprio espetáculo, e o pior é que foi por justa causa.

O copo já está vazio tal e qual como a garrafa, e consigo comparar a rapidez que foi tal fenómeno ao meu, em que me segurei até onde não era cauteloso só para não cair e chatear, mas no entanto, escorreguei.

E caí no esquecimento tal como as ultimas gotas da garrafa que supostamente já estava vazia.
Supostamente.
Mas não.
Ainda estava lá eu.

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